Os Desafios do Cientista Cristão no Brasil



Os Desafios do Cientista Cristão no Brasil, artigo de Doneivan F. Ferreira - Outubro, 2014 

Grande parte dos crentes não precisa desligar seus cérebros para viver uma vida sem dilemas profissionais. Inconscientemente, muitos já fizeram isso há muito tempo, pois não têm a obrigação nem o interesse em exercitar sua curiosidade para os desafios da ciência e da natureza. O nível de conhecimento em ciências exatas e engenharia entre os brasileiros já é muito baixo. Dentro das igrejas é ainda menor.  
Negligenciar o confronto das questões difíceis da ciência desestimula o processo decisório do jovem e envia uma péssima mensagem: fuja do desconhecido... daquilo que oferece “perigo”. Logicamente, o futuro traz o desconhecido. No entanto, fomos comissionados a ter domínio sobre a Natureza, para entender suas leis e processos, encontrar a cura para doenças (como o câncer, AIDS e o Ebola), alimentar o mundo, prevenir ou sobreviver tragédias, calamidades ou acidentes, lutar contra a injustiça e a tirania (mesmo que seja por meio do domínio e poderio tecnológico), impedir a destruição de nosso ecossistema, viajar pelas estrelas. 
Fico pasmo com aqueles que demonizam a química e a física, a ciência dos isótopos, aquela que permite a datação radiométrica de rochas cristalizadas há bilhões de anos. Quando doentes, essas mesmas pessoas usufruem da Ressonância Nuclear Magnética (MNR), a qual foi desenvolvida sobre os mesmos princípios outrora demonizados. Também fundamentada nestes mesmos princípios, a Radioterapia é fundamental para o tratamento de alguns tipos de câncer. Quando uma transfusão de sangue é exigida durante uma cirurgia, por exemplo, a esterilização por meio do bombardeamento radioativo mata microrganismos preservando as células vermelhas intactas. A luz que ilumina nossas igrejas no Rio de Janeiro é parcialmente suprida por energia gerada em dois reatores termonucleares em Angra dos Reis. Esta energia está disponível para a igreja porque cientistas projetaram e construíram um sistema complexo de controle da fissão (separação) do núcleo dos átomos. Pelos mesmos princípios demonizados, cientistas também elaboraram e colocaram em prática um rigoroso sistema de armazenamento monitorado dos resíduos resultantes desse processo, os quais permanecerão mortalmente radioativos por milhares de anos.  
Outro exemplo mais popular é o uso do GPS. Rejeitamos a leis da física que comprovam um Universo antigo. No entanto, essas mesmas leis nos permitem manter uma rede de satélites sistematicamente posicionados em órbita da Terra a mais de 100 km do nível do mar e a uma velocidade de milhares de quilômetros por hora. Para serem uteis, esses satélites precisam localizar um ponto específico em quatro dimensões do Tempo-Espaço compensando por fatores que estão fora do alcance da compreensão de grande parte da população. Igualmente abominamos os princípios geológicos do Uniformitarianismo e da Tectônica de Placas, mas usamos e abusamos do Petróleo que só pode ser encontrado, como agulha no palheiro, com modelos científicos fundamentados nesses mesmos princípios. E se essas tecnologias só funcionassem para os que acreditassem na ciência utilizada para seu desenvolvimento?  
Por muito tempo, os protagonistas dos grupos fundamentalistas “Answer in Genesis” e “Creation Research Institute” negavam fatos claros e replicáveis da física e astrofísica. Recentemente, eles começaram a admitir alguns desses fatos como o universo em expansão e a invariabilidade da velocidade da luz. No entanto, “como a Bíblia contradiz tudo isso”, eles afirmam que a Natureza tem “uma aparência de antiga”. Essas pessoas concordam que se alguém estudar cientificamente os fenômenos astrofísicos, certamente chegaria às mesmas conclusões que a ciência atual. No entanto, por “conhecerem as verdades Bíblicas”, é possível afirmar que “as conclusões científicas são enganosas”. Eu concluo que este debate nunca será científico, o que é muito conveniente para os púlpitos modernos.


Abraçar a fé cristã, para os fariseus modernos, também implica em optar publicamente pelo suicídio intelectual, impondo sobre os cientistas um peso que eles mesmos não precisam carregar. 

Em minha visão, e na de muitos teólogos, não há contradição entre a Bíblia e a Ciência. Primeiramente, é preciso admitir que todas essas questões não são essenciais para a Fé Cristã, como não são essenciais questões como a predestinação e o premilenismo. No entanto, para o discipulado de alguns grupos específicos (bom seria se tais grupos fossem maioria), as questões científicas são muito importantes. Refiro-me aos que vivem do conhecimento aplicado desses princípios em seus cotidianos: aqueles que garantem o abastecimento energético do País, que produzem os medicamentos dos enfermos, que fabricam os aviões, os que exploram e explotam os recursos minerais, energéticos e hídricos... aqueles que, anonimamente, viabilizam nossa sociedade moderna.   
Lembro-me de um evento sobre criacionismo para qual meu pai, Damy Ferreira, foi convidado como um dos conferencistas. Lá ele defendeu a tese de um longo período de criação. Alguns geólogos da PETROBRAS presentes no evento o procuraram após a palestra dizendo que naquele dia eles haviam sido libertos de um peso que carregavam há anos. Suas mentes trabalhavam diariamente com fatos e verdades que não podiam ser compartilhadas na comunidade de fé. Além deste peso sobre seus ombros, erguia-se uma grande barreira para a evangelização de colegas de profissão.  
Converter-se a Jesus é o único passo de fé que alguém precisa... e não é pouco! É necessário crer que existe um único Deus, O qual mandou seu filho unigênito encarnar em forma de menino, nascido de uma mulher virgem. Este Deus então permitiu que seu filho fosse torturado e morto por crucificação, uma morte maldita, cancelando irrevogavelmente toda a condenação resultante de TODOS os pecados (passados e futuros) de todos aqueles que nEle cressem. Além disso, este Deus ressuscitou este filho três dias após sua morte confirmada, levando-O aos céus prometendo um dia regressar e buscar, para uma vida eterna, todos aqueles que nEle cressem, mesmos os que já estivessem mortos. Diante disso, qual é o outro ato de fé que alguém pode, biblicamente, exigir de um cientista? Como se este ato de crer já não fosse, por si somente, um milagre, alguns ainda exigem que cientistas aceitem uma interpretação que eles assumem ser a única correta. Abraçar a fé cristã, para os fariseus modernos, também implica em optar publicamente pelo suicídio intelectual, impondo sobre os cientistas um peso que eles mesmos não precisam carregar. 
Assisti outro dia um evento na Califórnia com milhares de jovens universitários crentes ouvindo atentamente renomados cientistas cristãos, líderes de suas igrejas. Infelizmente, aqui no Brasil somos levados a pensar que discutir esses temas nas igrejas não é apenas difícil... é inútil. Seria necessário convencer pessoas que já desistiram dos desafios da aprendizagem há anos. A curiosidade científica foi substituída pela fossilização de seus corações, adeptos a leitura exclusiva de autores fundamentalistas e de pseudocientistas sem as credenciais necessárias. Todos são experts em discutir ciência sem compreender ciência. Os bons autores não estão disponíveis em português devido a uma histórica barreira de censura fundamentalista dos livros que devem ou não chegar ao público cristão brasileiro. 
Como o estudo de outras línguas também é um desafio negligenciado por nós brasileiros, a alienação se perpetua. Certamente, a discussão entre nós sempre será retórica, com explicações super-simplificadas, muitas vezes falaciosas, e um público incapaz de “buscar saber se as coisas são de fato assim" (bereianos), e julgar racionalmente o assunto. 
Jesus andava fazendo o bem. Nossa missão de ir pregar fazendo o bem ao longo do caminho (curar os enfermos, alimentar os famintos, vestir os desnudos, resolver os desafios da humanidade), foi substituída pelo “adoracionismo moderno” e pelo “emocionalismo constante no clamor por milagres”. Clamamos insistentemente e desafiadoramente por milagres, porque não conseguimos curar... qual é o precedente de insistência por milagres na igreja primitiva? Logicamente, qualquer um abatido pelo flagelo de uma doença como o câncer, vai, e deve, rogar pelo milagre de Deus, pois é algo sobre o qual não temos controle, não temos solução. No entanto, precisamos mesmo é agir para resolver este flagelo, obedecendo ao comissionamento de Deus no Éden, assim como fizemos com o flagelo da lepra e tantos outros. Precisamos das misericórdias de Deus (que são as causas de não sermos consumidos), mas não podemos negligenciar aquilo que já nos foi dado como ferramenta: o cérebro. Qual o tempo que dedicamos a importante missão de capacitação nas igrejas? Quantas vezes dedicamos vidas de jovens à missão de pesquisar a cura de doenças? Quando criamos grupos focados no discipulado de universitários e cientistas? Alguém já viu uma igreja buscando um ministro para os Universitários? Alguém já viu um apelo público para pessoas se dedicarem ao estudo da Medicina?  
Uma fé sem obras... nutrir sentimentos de pesar pelos que sofrem ou lançar projetos para amenizar miséria e flagelo da humanidade é nobre, mas é apenas conveniente. A verdadeira adoração é servir, obedecer ao chamado de pregar fazendo o bem. Muitas vezes o socorro não está ao nosso alcance, mas na maioria das vezes, nós já decidimos pelo caminho mais fácil negligenciando o conhecimento que pode trazer a solução. Muitos jazem nas trevas porque os salvos continuam dormindo na Luz! 
Lembro-me dos servos usados para me guiar até aqui. Meu pai sempre foi um estudioso. Fez seu Mestrado e seu Doutorado. Minha mãe, Doriza Ferreira, foi a primeira mulher brasileira a se formar em Teologia na Faculdade Teológica de São Paulo, além de ter feito seu bacharelado em Educação Religiosa no Rio. Aprendemos a gostar de ler e estudar com nossos pais. Eu e meus 3 irmãos tivemos um seminário em nossa casa, mas também fomos incentivados a estudar ciências. As decisões de mudança de ministério do meu pai passavam, primeiramente, pela necessidade da família. Meu pai dizia que ele poderia servir a Deus em qualquer lugar, mas os filhos não poderiam ter aquilo que precisavam em qualquer lugar. Presenciamos e sentimos as lutas de seu ministério e, muitas vezes, isso tudo era muito difícil. No entanto, meu pai nunca se esquivou das perguntas difíceis. Lembro-me quando ele iniciou o Centro de Interesse Jovem (CINJO) na Igreja Batista da Liberdade em São Paulo, e depois em Araçatuba, para abordar as questões difíceis já emergentes naquele tempo. Isso foi em meados dos anos 70 e eu era apenas um garoto. Quando decidi fazer Geologia, conhecida entre os crentes como “ciência dos ateus”, meu pai vibrou e me acompanhou em cada dúvida. O mesmo ocorreu alguns anos antes quando meu irmão decidiu fazer Biologia Molecular e Celular, a “ciência da evolução”. Eu e meu irmão, Davis Ferreira, somos Doutores, com Pós Doutorado, respeitados em nossas respectivas áreas... e somos crentes em Jesus.


"...Alguns geólogos da PETROBRAS presentes no evento o procuraram após a palestra dizendo que naquele dia eles haviam sido libertos de um peso que carregavam há anos. Suas mentes trabalhavam diariamente com fatos e verdades que não podiam ser compartilhadas na comunidade de fé..."
  
Tive vários amigos que me pastorearam compreendendo a importância desse tema em minha profissão. O Pr. Walter Baptista da Igreja de Sião na Bahia montou uma classe de EBD com temas alternativos (muito disputada). O Pr. Raimundo Barreto foi meu pastor na Igreja Batista da Esperança em uma igreja que congregava um grande número de professores, doutores e pesquisadores. Os temas eram de grande interesse e aplicáveis a nossa realidade do dia a dia. Pessoas de vários países nos visitavam para ver os projetos mantidos pela igreja. O saudoso Pr. Isaltino Gomes, um dos teólogos mais prolíferos que já conheci, foi meu pastor em Igreja Batista do Cambuí em Campinas durante meu trabalho de Doutoramento. Por ele fui incentivado a escrever. Vários de meus artigos ainda estão em suas páginas na Internet. Meu atual pastor na Igreja Batista de Tauá, Maurício Bossois, tem conclamado a juventude a estudar. Fui positivamente impactado por ele conclamando as igrejas a pararem de tirar nossos jovens da Universidade para fazer seminário.  
Minha exortação é: os jovens de hoje precisam ser preparados para o futuro. Faltam líderes para nossos filhos. O Cristianismo sem a razão e cheio de fábulas é comparável com o fundamentalismo de qualquer outra religião. O fundamentalismo ataca qualquer pensamento diferente... o comportamento resultante pode ser destrutivo. O desafio é: os campos estão brancos, mas poucos são os ceifeiros. Os líderes que deveriam estar discipulando esta geração não estão preparados e não têm a intenção de se preparar. Precisamos usar mais o tempo nas igrejas para ensinar, mas a ênfase continua na retórica do púlpito... púlpitos sem razão, vazios de entendimento, muita retórica, muita emoção, muita música... aquele que ensina, esteja pronto, apto, preparado, douto a ensinar.  
Seus filhos viverão neste mundo. Você pode aliená-los intelectualmente... eles serão como você, sofrerão e farão outros sofrer. Ou eles poderão ser os próximos “Josés do Egito”, fiéis e capacitados, liderando vidas em tempos especiais, livrando gerações futuras da fome, doença, calamidade e escassez... testemunhando e fazendo o bem.

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